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O NETO DE GETÚLIO

  • Foto do escritor: Rodrigo Bartz
    Rodrigo Bartz
  • 4 de ago. de 2020
  • 5 min de leitura

NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 629 p.



Em meados da década de 1990, houve um verdadeiro fenômeno, (no Brasil), de publicações de um gênero que, atualmente, ainda abarrota as prateleiras das livrarias e bibliotecas. Eis o que falamos; as biografias de cunho jornalístico. Entre 1995 e 1997, as publicações praticamente dobraram passando a receber, majoritariamente, como seus autores os jornalistas que munidos com recursos da literatura e documentos, preocuparam-se mais com a individualidade dos biografados.

Atuando assim como âncora temporal ou janela para o acesso e assédio às histórias de vidas alheias, o que se percebe é a força que a prática biográfica ganhou.

Esse sucesso, provavelmente, explica o grande número de biografias que vem sendo publicadas no Brasil, com alguns autores investindo em personalidades já biografadas anteriormente, como Lira Neto que repaginou a vida do ex-presidente Getúlio Vargas, sobre o qual “só no segundo semestre de 2004, quando se completaram cinquenta anos da morte do ex-presidente, cinco livros biográficos foram lançados”, segundo Mozahir Salomão Bruck (2010).

A biografia Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930), do jornalista Lira Neto (2012), conforme o próprio autor é a primeira de uma trilogia. A primeira obra abrange desde o nascimento e seus antecedentes familiares até sua chegada ao poder em 1930, tendo como prólogo os primeiros meses de 1931. O segundo livro aborda os quinze anos subsequentes, até 1945, cobrindo o primeiro período da Era Vargas, com destaque para a ditadura do Estado Novo[1]. O terceiro e último volume consiste no “exilio” de Getúlio em São Borja, após sua derrubada pelos militares e a volta à presidência pelo voto popular, chegando ao trágico desfecho de agosto de 1954[2]. Segundo Lira Neto, a divisão por períodos atende a uma questão de ordem estritamente didática e de contingência editorial. A obra, “dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930)”, do jornalista, é dividida em 20 capítulos e possui 615 páginas.

Lira Neto faz uso, nessa primeira parte da trilogia, de uma narrativa cronológica que apesar disso, por meio de indexadores, permite ao leitor uma dinâmica leitura.

Conta em minucias de detalhes a infância, a adolescência e o começo da vida política de um personagem que, talvez, seja a figura mais caricata e mitológica da história da politica brasileira.

Lira Neto, em Getúlio, se vale de um ponto de vista em terceira pessoa (como na maioria esmagadora das biografias jornalísticas), o que não é uma garantia de imparcialidade narrativa. O biógrafo é um narrador onisciente. No início da obra, por se tratar da constituição do personagem, é frequente a presença do que chamo de biografemas fatais[3], que atribuem a Getúlio Vargas um destino vencedor desde a infância. Já o que chamo de biografemas extraordinários, trazem em si uma crítica à sua genialidade inata.

Por vezes, Lira Neto explica o sucesso político de Getúlio. É como se estivesse no destino do “franzino Getúlio” (Neto, 2012, p. 29) ser uma das figuras políticas mais influentes e conhecidas de todos os tempos no Brasil. A capacidade de resolver grandes problemas, de persuadir e liderar está em muitas técnicas adotados pelo narrador, que ajudam a apregoar a suposta predestinação política de Getúlio.

Isso é perceptível na seguinte citação: “[...] a patente dos combatentes era determinada por Getúlio” (NETO, 2012, p. 32). Talvez, Getúlio Vargas criança naturalmente brincasse de grandes lutas em que alguns meninos enfrentam outros. O interessante, na verdade, é a afirmação do narrador de que a patente ou posição dos demais envolvidos na brincadeira era determinada pelo então menino Getúlio. Outro aspecto interessante é conceder a Getúlio uma exímia capacidade de resolver problemas sem causar outros, ou seja, as artimanhas políticas já estariam no menino, tal como no trecho: “[...] Getúlio foi contra. Objetou que só podiam capitular depois que estivessem a salvo do risco de levarem uma boa sova.” (NETO, 2012, p. 43).

Creio que dificilmente uma criança saberia “objetar” ou que a sua liderança política aflorasse tão precocemente a ponto de um menino, com menos de dez anos, “liderar uma frente revolucionária mirim” de forma politicamente pensada e estratégica.

Por outro lado, percebemos escolhas de Lira Neto que mostram (implícita ou explicitamente) não só o lado vencedor de Getúlio, mas também o herói imperfeito, para parafrasear Vilas Boas (2008), ou seja, os muitos “Getúlios”. Mostrando um Vargas descoordenado que “[...] tinha notória dificuldade de amarrar os cordões dos próprios sapatos.” (NETO, 2012, p. 88).

Além de Getúlio percebemos isso na biografia de padre Cícero, também de Lira Neto. Essa dualidade paradoxal entre bem e mal, certo e errado norteiam as duas narrativas. Em Getúlio temos isso através de uma afirmação de Chatô no início da obra que afirma ser Getúlio: “[...] a primeira raposa dos pampas.” (NETO, 2012, p. 23) (grifos nossos). Essa afirmação “guia” toda narrativa, pois o Vargas de Lira Neto é astuto, audacioso, todavia medroso. É dessa forma que essa “raposa política” ecoa em toda narrativa. Já com a biografia de Padre Cicero, escrita em 2009, essa dualidade pode ser percebida por meio de comparações entre a mitologia popular e as acusações, que acompanham o padre, feitas pela igreja católica. O mesmo que ocorre com a afirmação de Chatô, no início da biografia de Getúlio Vargas, que serve como um norte a partir do qual o enredo é desenvolvido, ocorre com a biografia de Padre Cícero. Note-se.

A primeira parte da biografia Padre Cícero – poder, fé e guerra no sertão (2009), A cruz, gira em torno do primeiro milagre, transformar hóstias em sangue, pois por meio dessa intriga é que o sacerdote realiza ações contrárias aos dogmas Católicos motivo de sua excomunhão. Para fins de comprovar que o narrador Lira Neto em Getúlio (2012), constrói um personagem paradoxo podemos abordar o trecho em que Getúlio Vargas a fim de se “adequar à faixa etária exigida pelo exército, rasurou a própria certidão de nascimento.” (IBIDEM, p. 64) (grifo nosso). Neto mais uma vez deixa claro que Getúlio tem suas contradições como qualquer ser humano, fazendo o que lhe favorece não importando a procedência. De fato, Getúlio é uma verdadeira “raposa”.

O jornalista e escritor Lira Neto nas páginas dessa belíssima narrativa faz com que o personagem biografado (na tentativa de captar o real) seja explicável em um maior grau de originalidade que a própria vida, ofertando ao leitor uma sensação de poder transformando esse personagem em algo mais manejável e palpável. Enfim, honras e polêmicas (não foram poucas se cita aqui Juremir Machado, por exemplo) a parte, este primeiro volume da trilogia, é uma obra com uma reconstituição interessante da época, fornecendo ao leitor aspectos, manias e bastidores de acontecimentos como percebemos no trecho seguinte: “[...] A casa, a mais suntuosa da cidade era famosa pelo mobiliário elegante, e pelas cortinas adamascadas e pelas alfais caríssimas [...]” (NETO, 2012, p. 103).

Lira Neto mostra-se acima da paixão por Getúlio e abre as “cortinas” mostrando, inconfundivelmente, partes e atos, dessa peça, ainda não vislumbradas.

[1] NETO, Lira. Getúlio: do Governo Provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 594 p. [2] NETO, Lira. Getúlio: da volta pela consagração popular ao suicídio (1945-1954). São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 594 p. [3] BARTZ, Rodrigo. Jornalismo e literatura : as complexificações narrativas jornalísticas de cunho biográfico. 2014. Dissertação (Mestrado). Disponível em: http://btd.unisc.br/Dissertacoes/RodrigoBartz.pdf.

 
 
 

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